15 Anos
"Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial", disse um dia Carlos Drummond de Andrade.
Tinha razão: imaginem, caros leitores, a ausência desse emparcelamento do tempo na constância de uma bocejante vida imersa no tédio de carências cronológicas.
Porque, afinal, doze meses, sem prévio aviso de prazo, dão para qualquer ser humano se cansar, falho de anseios para outro recomeço.
O tal inventor dos anos inventou, assim, a institucionalização da esperança, fundando-a no ânimo que um novo ano transporta, ungindo-a na crença de promissores ensejos.Como se fora um milagre de renovação, na almejada fé de que tudo, uma vez mais, recomeça. Como se fora um providencial embrião a germinar em renascida vontade.
Tal como ocorre com a Egoísta: não fora a calendarização dos anos e eis que as suas 15 risonhas Primaveras - mitigadas por alguns Outonos - tinham passado céleres, à revelia da nossa atenção, nesse afã, sem tempo certo, de conceber novas edições.
E hoje, ao vê-la, já adulta, recordo a nascitura que, nesse dobrar de milénio, fizemos despertar para a vida.
Nasceu saudável, embora dividida entre esperanças e convicções.
Afinal, como diria Marguerite Yourcenar, "o tempo, esse grande escultor", era, então, para a Egoísta, uma angustiante incógnita.
E ela, nascida em berço de inconformista modernidade, fundada na hodierna emulação de incontornáveis inspirações a "Orpheu", "O tempo e o Modo", a Raiz e Utopia" - pressentia ser curta a vida de uma publicação que se interroga e perturba, que não anestesia ideias, que não fica imune ao mundo.
Puro engano: transcorridos que são 15 anos, eis que o tempo foi esculpindo a Egoísta, cinzelando-a em volúpias de explosão gráfica e iconográfica, conferindo-lhe o estatuto de "Revista de culto".
Um percurso de 61 edições - incluindo as especiais - e um acervo de 70 prémios, nacionais e mundiais, a homologar-lhes esse ímpar privilégio de serem mais as distinções concedidas do que as edições publicadas.
Uma saga editorial sem desvios de coerência, sempre fiel aos valores culturais que inspiram o Grupo Estoril-Sol, sempre moldada ao empenho de uma incansável equipa criativa onde pontifica a Patrícia Reis.
Foram centenas de textos, portfólios, reflexões de grandes autores, nacional e internacionalmente consagrados, que, generosamente, abraçaram as nossas páginas, densificando os nossos temas.
E temas não faltaram nestes 15 anos, os primeiros deste século. Para o bem e para o mal.
Pois se, para a Egoísta, o tempo foi rico em alegrias e conquistas, ele foi, para o Mundo, pesado e assustador.
Não tanto pela vivificante dialéctica na transgressão de ideias, no derrubar de preconceitos, no confronto de inquietações. Mas, infelizmente, pelas sombras reflectidas no espelho da Humanidade, em execráveis exemplos de distorções de carácter, de ambiguidades políticas, de selváticos fundamentalismos pseudo-religiosos, de crises geradoras de clivagens sócio-económicas, de avassaladoras catástrofes com que a Natureza porfia em evidenciar a nossa pequenez.
Mas, pertinazes, continuamos - egoísticamente - a ser duplos e multíplos, como diria o poeta. Não, necessariamente, fingidores: apenas o quantum satis* para que algum desse fingir não distorça a Verdade, não esmoreça a Esperança, não coarcte a Criatividade.
Porque a Verdade só sobrevive na Liberdade.
Porque a Esperança é o privilégio de se sonhar acordado.
E porque a Criatividade é o reduto da diferença inspirada no desígnio exacerbado.
Essa, a trilogia que é matriz e código genético da Egoísta.
Qual presságio de muitos êxitos vindouros!
Editorial de Mário Assis Ferreira
* o suficiente
(A revista encontra-se à
venda no Clube IN do Casino Estoril e do Casino Lisboa).
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