CARTA À LIBERDADE
Nesta época natalícia, tão propensa à partilha de afectos, à festa de sentimentos, às missivas de bons augúrios, tentei escrever uma carta de louvor à Democracia.
Confundi-me, tal a multiplicidade de potenciais endereços...
Falta minha, certamente, pois que na tentativa de me antecipar às comemorações do Cinquentenário do 25 de Abril, sobram os endereços de protagonistas a apropriar-se de tão simbólica data.
Talvez porque, na contemporaneidade, Democracia seja sinónimo de Liberdade e, nesta, abundem os protagonistas...
Ou talvez porque já seja utópica essa trilogia de valores - Liberdade, Igualdade, Fraternidade - que inspirou a Revolução Francesa...
E porque Igualdade e Fraternidade são desconformes à natureza humana, sobra-nos a Liberdade, herdeira única e universal dessa quimera conceptual.
Assim dobrámos meio século em volúpia de Liberdade: livres para tudo, até na escolha das nossas prisões...
Pois essa, a que quotidianamente nos cerca, não é, seguramente, a Liberdade almejada, a nascida na razão, merecida na responsabilidade, tutelada pela justiça, consagrada na separação de poderes.
É outra, qual falácia que habita no cenário orwelliano de uma esotérica Liberdade: ela corrói-se nos escombros da ruptura dos valores, alimenta-se de intrigas, é devassada em escutas espúrias, controla se em chips delatores, vigia se em câmaras dissimuladas, dissolve-se em fake news nas redes sociais, ilude se em manipulações censórias, substitui-se à Justiça em piras incendiárias e imolações na praça pública.
Essa, a Liberdade que temos disponível: mais contida do que o sonho; menos fértil do que a imaginação.
Mas é, porventura, a Liberdade Possível !...
Pois que a Liberdade, enquanto emanação da Democracia, nasceu para ser responsável, qual direito vinculado ao cumprimento de deveres.
Falível desiderato, quando esse dever inculca o respeito à Liberdade do próximo...
E volvido meio século de historial democrático, bem se evidencia o descanso no exercício de uma Liberdade responsável, casuisticamente interpretada ao sabor de egoísmos e irreprimíveis tentações.
Compreendo, então, Clarice Lispector: «Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.»
Tão pouco eu lhe conheço o nome...
Mas sei que existe um direito intangível, qual inviolável reduto: a Liberdade de Pensar!
Nesse reduto, o do Pensamento, a Liberdade tem asas e voa para além do sonho, converte-se em aspiração, sublima-se em desígnio.
Que essa Liberdade emoldure, em dádiva de esperança, a Festa Natalícia.
Pois a Liberdade, tal como o Natal, não tem tempo, nem lugar: é um estado de espírito que se abriga na alma, que nos inspira o desígnio, que nos alimenta a esperança.
Como se a Liberdade, vertida em sã consciência, fosse um perpétuo Natal.
Mesmo que o mundo não fosse o que existe, mas o que pode acontecer!...
Editorial de Mário Assis Ferreira
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