Anjos
Na sua raiz etimológica - do latim angelus e do grego aggelos - anjo significa mensageiro.
E na tradição hagiográfica, a sua designação, em hebraico, é malach, o que, em literal coincidência, corresponde a mensageiro.
É esse, igualmente, o seu significado simbólico na doutrina católica: anjo, mensageiro de Deus, ente espiritual cuja missão se reconduz ao elo de transmissão entre o homem e o Criador.
Do que decorre que a mensagem dos Anjos pressupõe a existência de Deus.
E eu, empedernido racionalista cartesiano, ainda oscilo na dúvida metódica sobre a Sua existência; sempre no anseio de quem almeja ser crente; sempre no vácuo de quem O sente na sua ausência ...
Mas se o vácuo é a omnipresença da ausência, então é porque Deus existe!
Tal como deverá existir essa diáfana mensagem dos Anjos, qual avisada graça de uma missão ao serviço de um Ente Divino, já sobrecarregado no ciclópico desígnio de criar o Mundo e zelar para que os homens o não destruam.
Talvez por isso Deus designou um Anjo-da-Guarda para nos acompanhar no percurso que vai do berço até ao crepúsculo da vida.
Tarefa árdua, a desse Anjo-da-guarda, pois como dizia Mia Couto "cada um descobre o seu anjo tendo uma relação com o demónio".
E, nessa existencial dialéctica, nessa pendência entre o Bem e o Mal, nem sempre vence o Anjo-da-Guarda.
Pois Lúcifer, antigo Arcanjo, expulso do Céu por trair o Criador, vagueia por esse Mundo com os seus tenazes acólitos, sempre zelosos na aliciante oferenda de pecaminosas tentações.
O que, não raro, exige um reforço de ajuda divina, qual recurso hiérarquico a Entes superiores: são os três fiéis Arcanjos-Mores - Miguel, Rafael e Gabriel -, sempre disponíveis para as missões mais difíceis.
Algumas, tão transcendentes como foi essa, a de Gabriel, na Anunciação a Maria.
Pois que dessa Anunciação nasceu Jesus e, dessa Natividade, nasceu o Natal !
Natal que é festa de paradoxais celebrações: de verdades e utopias; de sentimentos e veleidades; de crenças e heresias.
Porque os séculos foram desgastando a cristalina pureza dessa divina mensagem que consagrou o Amor à Humanidade, qual espelho da sublime dádiva daquela semente que, maturada em fruto, germinou no ventre de Maria.
Mas um espelho que o tempo foi embaciando; de fé, passou a costume; de costume, a circunstância; de circunstância, a pretexto.
Do Natal, sobrevivem os embrulhos de presentes, a euforia dos lojistas, a reunião das famílias, as memórias do passado, esparsas evocações humanistas ...
E sobrevivem os Anjos, os nossos Anjos-da-Guarda que, por desígnio divino, não têm nome de baptismo.
São eles que persistem em iluminar-nos o caminho, em lembra-nos que o Natal é o riso das crianças, é a prece de viver, é a elevação da alma, é a compaixão do próximo, é o apelo da paz, é o sorriso a quem se ama!
Tudo isso o meu Anjo-da-Guarda em ensinou: sobre o dia de Natal, sobre os Natais de todos os dias.
Tem nome e recordo-lhe os embalos, a ternura do olhar, a bondade das feições.
Chamava-se Alice, o meu Anjo-da-Guarda, e eu tratava-o por Mãe!
Editorial de Mário Assis Ferreira
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