NATAL
Foram múltiplos - talvez excessivos - os editoriais em que me debrucei sobre o conceito do Natal.
Mas os conceitos, por exaustão de abordagem, consomem-se em palavras, tal como algumas palavras se esvaem em vacuidade.
Daí o paradoxo: o que me falta em palavras sobra-me em memórias.
E as memórias perduram, qual centelha que nos ilumina ao longo de uma vida semeada de tantos Natais…
Eis, pois, que chegados a Dezembro, todos os Natais se repetem e todos eles são diferentes.
De comum, há o Presépio, a árvore de Natal, a hipnose das luzes, o riso das crianças, os presentes do Pai Natal, as dádivas partilhadas em convencional retribuição, a evocação de memórias que em nós habitam numa ceia natalícia.
De diferente há a assimétrica vivência daqueles que contemporizam com a "paganização" de uma festa de Natal e a reflexão dos que evocam a liturgia do seu significado, a profundidade da sua essência, a exaltação do amor ao próximo, o apelo à solidariedade humana.
Diferente, ainda, é este Natal que renasce das cicatrizes de uma pandemia que nos legou a carência de afectos, que nos deixou órfãos de abraços e ausentes de partilha.
Vivamos, pois, este renascido Natal com a alegria - ou a devoção - de um augúrio de circunstancial felicidade, cerzida na memória de um passado, no desfrutar de um presente, na esperança de um melhor futuro.
Uma felicidade que, de tão frágil, até consente a fantasia de imaginar que o júbilo, na ingenuidade de uma criança, se iguala à ventura de reviver a infância no entardecer da vida.
Pois o Natal não é uma data: é sim, um estado de espírito que se abriga no coração, que nos concede a tolerância, que nos ensina o perdão, que nos inspira a consciência.
Como se a tolerância do perdão fosse um Natal a acontecer em qualquer data.
Como se o coração, vertido em sã consciência, fosse um perpétuo Natal.
Mesmo se o mundo não fosse o que existe, mas o que pode acontecer!...
Editorial de Mário Assis Ferreira
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