Política
e Ilusão
Há palavras que o tempo vai erodindo, que se desgastam no excesso de uso.
Na dúvida, fui ao dicionário: "Política - Arte ou ciência de governar um Estado, conjunto de fenómenos referentes ao Estado, ao poder, ao governo; conjunto de princípios políticos."
Afinal não estava enganado! E então olhei à volta...
Vi um mundo esquartejado em interesses conflituantes;
vi países divididos entre o establishment e a ruptura;
vi cânones medievais a justificar carnificinas;
vi milhões de refugiados em condições sub-humanas;
vi a impopularidade de quem os recebe e o populismo de quem os rejeita;
vi a infâmia do fundamentalismo islâmico e o inócuo antídoto de laicivismos radicais;
vi a decadência das economias demo-liberais e a ascensão de outras, autocraticamente centralizadas;
vi uma União Europeia fragmentada em nacionalismos estéreis e a sombra de um renascido poder a pairar sobre os Urais;
vi o desemprego crónico, refugiado em quimeras assistenciais, camuflado em encómios às conquistas tecnológicas da robotização.
Só não vi sinais da política, nem vislumbrei, em políticos, a visão regeneradora de um mundo feito em cacos que, por inépcia, eles deixaram estilhaçar...
E veio-me à memória a galeria de vultos eminentes, de Estadistas cuja agregadora liderança nos deixou ver a esperança de uma Europa coesa, de um mundo melhor: Adenauer, Jean Monnet, Willy Brandt, Helmut Kohl, Jacques Delors, eis alguns desses políticos com letra grande, tão grande quanto a dimensão do seu estatuto.
Penosa contradição essa, quando confrontada com a política e os políticos que nos são contemporâneos.
Os que saíram, os que ficaram, os que chegaram.
Uns, como Cameron e Renzi, apostaram o destino na roleta do referendo e saíram sem pagar as dívidas desse jogo de poder;
outros, tal como Hollande, ainda o são mas já o eram...;
outros, como Rajoy, equilibram-se no fio da navalha, periclitantes nos humores de um Parlamento inconstante...;
outros, ainda, como Tsipras - já emancipado de Varoufakis - vão oscilando ao sabor das circunstâncias, pregando slogans para o seu público interno, subjugando-se aos ditames do Sr. Schaeuble...;
outros, finalmente, como Orban na Hungria e Rumen Radev na Bulgária, têm o vago pressentimento de pertencer à UE, mas o seu coração anda longe, vagueia pelas estepes ao sabor dos ventos de Moscovo...
Resta a Chanceler Merkel com o seu fiel Schaeuble a tiracolo - ou vice-versa. Mas essa, pelo menos, sabe que quer a liderança da Europa, se possível, disfarçada em simbólica parceria. Mas eis que o "Brexit" lhe troca as voltas e a França não tem interlocutor credível - para além do assombrado risco da Madame Le Pen...
Editorial de Mário Assis Ferreira
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