Noite
«Sou, por dever de ofício, impenitente noctívago: a Noite é, para mim, não
mais que a sequência do dia, feita na ausência da luz.
Todavia, a Noite nunca anoitece nos meus olhos: ela é o rasto do dia que a
antecede, ela é presságio do dia prestes a amanhecer.
Por isso a Noite é um hiato contínuo em metade das nossas vidas, nascendo
para ser ungida como uma crenças de luz.
Não apenas da luz das estrelas que só à noite nos desvela; nem, até, da luz
do dia com que o Sol nos abraça o corpo; mas de uma outra luz, intangível no
fulgor, qual centelha que desperta quando a solidão nocturna nos ilumina o
espírito.
Essa é a Noite em que habito: a Noite em que a Lua existe e em que as
estrelas se revelam no no ensejo de brilhar.
Nela busco a reflexão: no delinear de estratégias, no espicaçar de ideias,
no esforço - vão - de um perfeccionismo que nunca logro alcançar.
Sábia conselheira, a Noite ajuda-me a sarar frustrações, a mitigar
angústias, a perdoar injustiças, delas guardando não mais do que tolerante
memória.
Ensina-me até, a destrinçar o que eu julgava ser, daquilo que realmente
sou: mais alma do que pragmatismo, mais coração do que calculismo.
Estranha sabedoria essa, a que a Noite nos inspira: é a Causa e não o Êxito
que dá à vida um destino.
Porque o que de efémero tem o êxito, tem de perenidade a Causa.
Mesmo que o idealismo da Causa tenha a aparência do Sonho.
Assim seja, nesse Sonho que a Noite me propicia: esvaziado de Utopia,
impregnado de Esperança..
Talvez por isso a Causa seja a Esperança que persiste nesse meu Sonho
acordado.
Pois a Esperança é um empréstimo que a Felicidade nos faz.
Empréstimo bem oneroso para uma Felicidade fugaz ...».
(Editorial de Mário Assis Ferreira)
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