quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Egoísta - Dezembro 2016 - Céu



O "Meu" Céu


"Ser como um rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da Noite.
Se há estrelas nos céus, reflecti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Reflecti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas."

Assim escreveu. sobre o Céu, Manoel Bandeira, esse notável poeta pernambucano que, nos idos de 1922, foi um dos mais destacados co-fundadores da literatura moderna brasileira.
Porque me falta talento e asa para semelhantes voos poéticos, peço-lhe emprestado este poema que, tão magistralmente, reflecte a minha visão sobre o Céu.
Pois que esse "meu" Céu não é cósmico, científico, metafísico ou místico: é, tão-somente, um imenso quadro azul onde pinto o meu pensamento, qual cenário de reflexões.
Insisto em vê-lo - ou imaginá-lo - azul.
Nem tanto porque o azul seja, para os optimistas, o preto dos pessimistas...
Mas porque o azul é a cor que dei aos sonhos.
E os sonhos, esses vejo-os escritos no Céu, ao invés dos erros, que são escritos por nós próprios.
São essas erros, os nossos dislates, que ensombram o Céu que imagino ver.
Talvez porque o meu azul seja inalcansável; talvez porque esse sonho, o do homem acordado, tenda a desvirtuar-se, dormente, em mero sonho-ilusão.
E eis, então, que tal sonhar é perigoso: pois - como dizia Mia Couto -, esse "sonhar é um modo de mentir à vida, uma vingança contra um destino que é sempre tardio e pouco".
Tão perigoso quanto a ausência de sonhar, de ficar refém de um atávico conformismo, de prescindir de uma ambição legítima.
Resta-nos, pois, a verdade deste Céu que nos envolve em época natalícia.
Um Céu que não é, apenas, o que contempla a festa da família, a alegria dos presentes, o riso das crianças, a solidariedade dos amigos, o gesto pio para alívio de consciências...

Pois esse é o mesmo Céu que se ensombra na contemplação das iniquidades do mundo, no descanso votado a milhões de refugiados, na barbárie do terrorismo, nas guerras fratricidas alimentadas por inomináveis desígnios.
E nesse Céu, pejado de nuvens, nada resta do azul do sonho, tudo se encobre nas trevas da desistência.
Mea culpa, se me excedi no vislumbrar do "meu" Céu...
Pois haverá um outro, como disse o Padre António Vieira, que nos obriga a pensar: "queremos ir ao Céu, mas não queremos ir por onde se vai para o Céu".
Pensemos, pois, no percurso para esse Céu, transcendente, divinamente julgador...
Sem que a benção de pensar seja o pecado de duvidar!

Editorial de Mário Assis Ferreira

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